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Imposto de renda sobre a indenização do 1/12 (um doze avos): Um alerta sobre as hipóteses de incidência.

Quando o contrato de representação comercial é rescindido pela representada de forma antecipada e sem um justo motivo, o representante comercial tem direito ao recebimento de uma indenização conhecida como 1/12 (um doze avos).

O 1/12 (um doze avos) é apurado a partir do somatório de todas as comissões recebidas ao longo da prestação de serviços, independente do tempo de duração do contrato (5, 10,20 ou 30 anos) ou da forma da contratação (contrato escrito ou verbal) e por essa razão, a depender da idade da relação contratual e do valor das comissões recebidas, esta indenização pode representar significativas somas.

O direito ao recebimento da indenização do 1/12 está expressamente previsto no art. 27J da Lei 4.866/65 (Lei do Representante Comercial), tratando-se de um direito inquestionável, mas, ainda assim, frequentemente violado por práticas como supressão, limitação a 5 anos e pagamento antecipado junto com o comissionamento mensal.

Também ocorre que, quando do recebimento da indenização, muitos representantes sofrem a retenção diretamente na fonte de 15% (quinze por cento) do valor recebido a título de imposto de renda, pois, algumas representadas, ainda aplicam o art. 70 da Lei 9.430/1996 que diz assim:

Casos Especiais de Tributação
Multas por Rescisão de Contrato
Art. 70. A multa ou qualquer outra vantagem paga ou creditada por pessoa jurídica, ainda que a título de indenização, a beneficiária pessoa física ou jurídica, inclusive isenta, em virtude de rescisão de contrato, sujeitam-se à incidência do imposto de renda na fonte à alíquota de quinze por cento.

No entanto, o mesmo artigo 70, traz em § 5º, uma exceção à regra da incidência do imposto de renda aplicável a indenização do representante comercial, vejamos:

§ 5º O disposto neste artigo não se aplica às indenizações pagas ou creditadas em conformidade com a legislação trabalhista e àquelas destinadas a reparar danos patrimoniais.

Como a Lei do RCA não trata do assunto, se iniciou uma discussão jurídica acerca da aplicação do § 5º ao 1/12 e sobre qual seria a natureza jurídica dessa verba.

O 1/12 (um doze avos) teria natureza jurídica remuneratória, por retribuir por serviço prestado e assim configurar um acréscimo patrimonial tributável? Ou teria natureza jurídica indenizatória por apenas recompor, restituir ou compensar uma diminuição patrimonial sofrida pela ruptura antecipada do contrato?

Como a Lei do RCA também não diz qual a natureza jurídica desta verba, ficou à cargo da jurisprudência (entendimento extraído de várias decisões judiciais sobre determinado assunto) definir a natureza jurídica do 1/12 e a incidência ou não do imposto de renda sobre estes valores.

Após diversas decisões conflitantes nos Tribunais Brasil à fora, o assunto bateu às portas do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que desde 2014, definiu o assunto firmando o seguinte entendimento: O 1/12 é verba de natureza indenizatória e a este se aplica o §5º do art. 70 da Lei 9.430/1996, sendo portanto, isento de imposto de renda.

[…]

  1. “As verbas recebidas por pessoa jurídica em razão de rescisão contratual antecipada têm natureza indenizatória por se revestirem da natureza de dano emergente, em face da assunção pela pessoa jurídica contratada de custos assumidos em razão da prestação a que se obrigara” (REsp 1.118.782/DF, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 17.9.2009, DJe 25.9.2009.) 4. À luz do quadro fático constante do acórdão recorrido – que ora não se revisa ou modifica -, conclui-se que não incide o imposto sobre a renda com fundamento no art. 70, § 5º, da Lei n. 9.430/96, uma vez que este enunciado estipula a exclusão da base de cálculo do imposto das quantias devidas a título de reparação patrimonial, como na espécie prevista no art. 27, j, da Lei n. 4.886/65. Agravo regimental improvido. (STJ. AgRg no REsp 1452479 / SP. Rel. Min. Humberto Martins. DJe 15.09.2014, grifou-se).

Como o direito à isenção não está previsto em lei, sendo constituído a partir de entendimento jurisprudencial, muitas representadas mantem a retenção dos 15% de imposto de renda no momento do pagamento do 1/12, repassando os valores aos cofres da União, obrigando os representantes comerciais a buscarem judicialmente a restituição desses valores com apoio na tese consagrada no STJ, firme no sentido de que “não incide imposto de renda sobre as verbas pagas a título de rescisão em contrato de representação comercial” (AgRg no REsp 1452479 / SP – AgRg no REsp 1462797 /PR).

Com o número crescente de ações judiciais buscando a restituição desses valores, o Fisco Federal desenvolveu novas teses de defesa argumentando que, nos casos em que os representantes comerciais assinavam distratos recebendo um valor em quitação total a verba diversas, a tributação em 15% seria devida.

Assim, nos casos em que os distratos contivessem cláusula de quitação a “quaisquer indenizações, compensações, reembolsos, exercícios de direito de regresso, multas, lucros cessantes, danos emergentes, diferenças de comissão e/ou quaisquer outros pagamentos”, ocorreria um acréscimo patrimonial em razão da natureza jurídica de lucro cessante (remuneratório) destas verbas, e como tais, se sujeitam a incidência do imposto de renda, não havendo que se falar em direito à restituição do imposto de renda retido na fonte.

Essa tese vem sendo aceita em alguns Tribunais:
[…] 9. No entanto, do exame do contrato de distrato juntado pela apelada (Termo de Rescisão, Transação de Direitos e Quitação), constata-se que cm seu item 4.1 restou assentado que o referido termo de rescisão quitava quaisquer indenizações, compensações, reembolsos, exercícios de direito de regresso, multas, lucros cessantes, danos emergentes, diferenças de comissão, indenizações de qualquer natureza e/ou quaisquer outros pagamentos. 10. No presente caso é patente que o quantum do valor pago a título de indenização seria para recompor não só os danos emergentes, mas todas as verbas ali descritas. 11. Destaque-se que foram englobadas diversas quitações para além dos danos emergentes, notadamente valores devidos a título de lucro cessantes, os quais, inegavelmente, acarretam acréscimo patrimonial, vez que estes não se destinam a recompor um prejuízo já ocorrido (dano emergente), mas a compensar o ganho que deixou de ser auferido. 12. É irrelevante o fato de o particular ter designado que o valor pago no contrato é devido a título da indenização de que trata o art. 27, “j”, da Lei 4.886/1965, pois o que importa para a incidência de determinado tributo é a natureza jurídica da verba no caso concreto (art. 43,§1°, CTN). 13. Afastada a tese de que todo o montante da indenização paga em virtude do Termo de Rescisão, Transação de Direitos e Quitação (distrato do contrato de representação comercial) seria destinada tão somente à recomposição patrimonial da apelada (danos emergentes), bem como considerando que em mandado de segurança exige-se prova pré-constituída do alegado direito líquido e certo, porquanto este não comporta, em virtude do seu rito especial, dilação probatória; conclui-se que a situação posta não se enquadra no disposto no §5° do art. 70 da Lei n° 9.430/1996, de maneira que devem incidir o imposto de renda e, consequentemente, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL sobre o referido valor. Precedentes do TRF5 e Tribunal Regional Federal da 3ª Região (PROCESSO: 00045763520134058300, APELREEX30153/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA, Quarta Turma, JULGAMENTO: 08/04/2014; MAS 00028677120144036105, DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MUTA, TRF3 – TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA.01/02/2016).

Uma segunda tese da União sustenta que, nos casos em a rescisão, ainda que de fato tenha sido de inciativa da fábrica/representada, contenha no termo de rescisão expressões como “rescisão por mútuo acordo”, “consenso”, “comum acordo”, “bilateral” dentre outras, também autorizaria a incidência do imposto por desconfigurar o elemento “antecipação da rescisão” desejado pelo art. 27J da Lei do RCA .

Essa tese vem ganhando força e diversos julgados do STJ já apontam para um novo entendimento no sentido de que, nem toda verba recebida pelo representante comercial ao final do contrato será isenta de imposto de renda pois, nos casos em que o valor recebido sirva a dar quitação total a diversas verbas ou os casos que venha a revelar que a rescisão contratual foi consensual, a tributação do imposto de renda será devida, inviabilizando os pedidos de restituição judicial.

DIREITO TRIBUTÁRIO. IRPJ. REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. RESCISÃO BILATERAL. ARTIGO 27, “J”, LEI 4.886/1965. ARTIGO 70, § 5º, LEI 9.430/1996. INAPLICABILIDADE. 1. Consolidada a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e desta Turma no sentido da isenção de imposto de renda sobre verbas de rescisão antecipada de contrato de representação comercial, sem justo motivo, nos termos do artigo 27, “j” da Lei 4.886/1965 c/c artigo 70, § 5º, da Lei 9.430/1996. 2. Incide, porém, a tributação no caso de distrato por comum acordo entre as partes, hipótese em que, não configurada rescisão antecipada sem os justos motivos dispostos no artigo 35 da Lei 4.886/1965, o rendimento auferido reveste-se de natureza remuneratória e não indenizatória. (TRF-3, APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5017000-72.2019.4.03.6100, RELATOR: DES. FED. CARLOS MUTA, 3ª Turma, julgado em 04/03/2021).

Este pensionamento jurisprudencial revela, que nos casos de rescisão contratual o representante comercial deve adotar uma conduta cautelosa na assinatura de qualquer documento de modo a se proteger de prejuízos futuros.

Nos casos em que a iniciativa da rescisão contratual for da representada, o representante comercial deve exigir que notificação da rescisão seja clara e expressa quanto a esta iniciativa.

O representante também deve se negar a assinar termos de rescisão contratual que contenha expressões como “quitação total”, “mútuo acordo” ou “as partes resolvem o contrato”, quando a rescisão de fato, foi de iniciativa da representada.

O representante comercial tem o direito a um termo de rescisão contratual que expresse a verdade fática sobre a iniciativa da rescisão e a natureza das verbas recebidas, evitando a utilização de expressões que possam desvirtuar a natureza jurídica indenizatória do 1/12, evitando assim uma tributação indevida.

Nos direcionando para a conclusão, podemos afirmar que, nos casos de rescisão contratual imotivada de iniciativa da representada, o representante tem direito ao recebimento de um indenização calculada sobre as comissões recebidas ao longo de toda relação contratual, o 1/12 (um doze avos), e esses valores, por interpretação jurisprudencial do STJ está isento da tributação de imposto de renda.

No entanto, nos casos em que o termo de rescisão contratual constar quitação geral a outras verbas além do 1/12 e aviso prévio, ou que conste cláusula de rescisão por mútuo acordou ou consenso das partes, os valores recebidos estarão sujeitos a tributação de imposto de renda na alíquota de 15%.

Por fim, desejando que este artigo alerte os representantes comerciais sobre os riscos de assinar notificação de rescisão, distrato ou termo de quitação sem uma detalhada análise jurídica do teor destes documentos à luz da atual jurisprudência sobre o assunto, sob pena de, por desconhecimento, abrir mão de direitos e deixar dinheiro na mesa.

Atualmente, diante de tantas investidas contra seus direitos, na condição de empresário, o representante comercial não deve atuar sem a consultoria de um advogado de sua confiança com conhecimento e experiência nas diversas nuances que permeiam a representação comercial.

Um comentário

  1. Cleber Franklin Santos Brito

    Muito top este conteúdo , muito esclarecedor parabéns pela iniciativa de alertar está classe tão injustiçada e sofrida neste País …

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